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Entrevista de Pedro Nuno Santos à CARGO: «Portos têm de ser agentes de mudança»

Numa entrevista exclusiva à Revista CARGO (publicada no primeiro número da Revista CARGO de 2020), o Ministro das Infra-Estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, percorre todos os temas da actualidade de uma pasta que, com a tomada de posse do novo Governo, viu reforçada com a tutela do sistema portuário.

Os grandes projectos em curso nos portos nacionais são um dos temas chave desta entrevista, percorrendo porto a porto alguns dos mais emblemáticos investimentos que correm de Norte a Sul. Mas também o prometido investimento na ferrovia ou o novo Aeroporto do Montijo são abordados na entrevista que se segue.

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REVISTA CARGO: A configuração deste novo Governo trouxe até si responsabilidades acrescidas, nomeadamente na pasta portuária. Que sistema portuário nacional herdou? E quais as grandes metas que define para esta área?

PEDRO NUNO SANTOS: Iniciou-se um trabalho na legislatura anterior e que tem de ser agora continuado e reforçado. O meu objetivo é dar o impulso necessário à efectiva concretização de todos os investimentos previstos, que têm uma dimensão pouco habitual para o nosso país. A materialização da Estratégia para o Aumento da Competitividade da Rede de Portos Comerciais do Continente – Horizonte 2026 representa uma oportunidade de Portugal ganhar o estatuto de uma plataforma muito importante no quadro global de transporte de mercadorias.

«Os portos nacionais são um motor essencial do desenvolvimento do país e têm de ser agentes de mudança», defende o Ministro das Infra-Estruturas e da Habitação.

O sistema portuário nacional é um pilar fundamental para o desenvolvimento económico do país e, num esforço de verdadeira concertação de todos os agentes, autarquias e administrações portuárias, precisa de ser afirmar como um hub fundamental para a internacionalização da nossa economia. Não podemos encarar as infraestruturas portuárias de forma isolada. O mar é e sempre foi um dos nossos maiores ativos. Os portos são, por isso, um dos principais elos de ligação entre comunidades e de Portugal com os seus países parceiros. Tudo o que pudermos fazer para robustecer o sistema portuário nacional terá reflexos na economia ao nível da criação de emprego, da exportação de serviços e facilitação das exportações nacionais.

Que grandes desafios identifica neste sector? Instabilidade laboral? Descarbonização? Digitalização?

Como já referi, os portos nacionais são um motor essencial do desenvolvimento do país e têm de ser agentes de mudança. Tão importante como os investimentos ou a ampliação de espaços logísticos e melhoria das infraestruturas, é a ampliação da cultura digital dos portos, assente no conhecimento e na inovação tecnológica.  Os grandes factores modernos de diferenciação competitiva são as plataformas digitais, a automação, a robotização e as energias limpas. Isto tudo, claro, assente na colaboração entre todos os agentes do sector e num clima de paz social.

Particularizando: o Porto de Sines lidera a movimentação de cargas no país. Com os novos projetos para a área dos contentores (ampliação do Terminal XX e novo Terminal Vasco da Gama), que ambições existem para este porto no plano ibérico, europeu e mundial?

O porto de Sines é a maior infraestrutura nacional com um peso atualmente de 1,5% do PIB nacional, valor que quase duplicará com os investimentos que estão previstos para este porto. É justamente para Sines que estão previstos alguns dos maiores investimentos no setor para os próximos anos, nomeadamente o novo terminal Vasco da Gama, cujo concurso público internacional foi lançado em 15 de outubro de 2019 e que representa um investimento de 650 milhões de euros.

MSC Ambra Porto de Sines

As ambições para este porto não descuram, naturalmente, o caminho que tem vindo a ser feito. Por isso o trabalho tem de continuar a ser no sentido de que este porto mantenha a sua posição de liderança enquanto maior porto do mediterrâneo no total de carga movimentada nos portos nacionais, continue a figurar de forma sólida no top 15 dos maiores portos de contentores da Europa. De igual modo, e com os investimentos previstos e que estão já em curso, afirma-se como um porto estratégico no desenvolvimento do comércio entre a Ásia, Europa e América do Sul. A concretização dos investimentos permitirá colocar o Porto de Sines como um dos principais portos de nível mundial e particularmente do ‘West Med’, em termos de oferta portuária no segmento da carga contentorizada, atingindo mais de 7 milhões TEU, garantindo capacidade para competir e atrair novas cargas e clientes, das cadeias logísticas globais, reforçando o posicionamento de Sines no contexto marítimo-portuário internacional.

Pedro Nuno Santos quer Porto de Sines «a figurar de forma sólida no top 15 dos maiores portos de contentores da Europa»

A aposta deste Governo na ferrovia é, também, um fator a acrescer às ambições que temos para o porto de Sines. O Corredor Internacional Sul, fundamental no quadro do Corredor Atlântico, vai servir bastante o porto de Sines pois pouco nos serve o investimento nos portos se estes não tiverem acessos.

Com as condições únicas do porto de Sines temos a obrigação de as aproveitar em benefício do povo, e de não descurar os efeitos desta infraestrutura tão central no desenvolvimento da economia local, regional e nacional.

Ainda sobre Sines: quando podemos esperar ter em operação o segundo terminal de contentores?

Tudo dependerá do desenvolvimento do concurso público internacional que se encontra a decorrer, estando neste momento ainda em fase de apresentação de propostas. Todavia, e considerando já com alguma variação normal dos prazos face ao decorrer do concurso, idealmente a adjudicação ocorrerá no último trimestre de 2020 e a obra poderá ter início em 2021, com uma duração aproximada de três anos.

Também o Porto de Leixões está em processo de expansão. Que posicionamento vê para este porto no sistema portuário nacional?

Há uma ideia que gostaria que ficasse clara de uma vez por todas: os portos não são um problema. São um privilégio que só as grandes cidades têm. Matosinhos hoje é uma das cidades mais importantes do país e o porto de Leixões é um contribuinte muito firme para que Matosinhos seja cidade de importância nacional. É uma infraestrutura de apoio indispensável às empresas do norte do país, essencial para o escoamento de produtos acabados e abastecimento de matérias-primas e bens de consumo, tendo um papel determinante na competitividade e internacionalização das empresas portuguesas. Muitas vezes esquecemo-nos disto – os portos impactam direta e indiretamente toda a região. As comunidades não podem, nem devem, descurar o peso social e económico do porto de Leixões e do seu impacto sobre o território, que gera cerca de 280 mil empregos diretos e indiretos e um impacto sobre a economia nacional de cerca de 5 mil milhões euros.

«Porto de Leixões é um contribuinte muito firme para que Matosinhos seja cidade de importância nacional», lembra o Ministro

São vários os investimentos previstos e em curso e que são muito importantes para que o porto de Leixões possa continuar a desenvolver-se e a servir o país. É essencial, por isso, ultrapassar os constrangimentos existentes de capacidade sob pena do porto de Leixões perder competitividade no curto prazo. O porto de Leixões tem um lugar de destaque na estratégia para o desenvolvimento da competitividade do sistema portuário nacional, que resulta da sua trajetória, da sua eficiência, da sua paz social e de uma conjugação de esforços de todas as partes. Esta estratégia definiu como meta para o porto de Leixões atingir um crescimento de 73% na carga contentorizada até ao final de 2026, e é esse percurso que temos de ajudar a percorrer.

Outro porto com projetos importantes em curso é o Porto de Lisboa. Acredita que ainda há esperança de que este Porto ganhe a importância que teve outrora? Ou, no futuro, tem ambição de retirar os terminais de carga do centro de Lisboa, nomeadamente para a margem sul ou até mesmo apostando forte no Porto de Setúbal?

porto de lisboaO porto de Lisboa é muito importante para o desenvolvimento do nosso país e concretamente para toda a região metropolitana de Lisboa, pelo que estou ciente não só da sua importância, como dos desafios e oportunidades que tem. Desde logo, o porto de Lisboa tem um grande desafio no que diz respeito à sua posição no contexto portuário nacional e que advém da instabilidade laboral que se tem vindo a sentir. Os últimos 13 anos têm sido marcados por uma tendência oscilatória da movimentação de mercadorias neste porto. As várias paralisações, em consequência de falta de um clima de paz social, têm consequências imediatas na credibilidade dos portos nacionais, incidindo maioritariamente nos portos de Lisboa e Setúbal, afetando empregos, diretos e indiretos, e afetando particularmente o abastecimento das Regiões Autónomas. Importa sermos capazes, como um todo, de sanar esta questão.

Pedro Nuno Santos sobre o futuro do Porto de Lisboa: «a relação porto-cidade deve ser apoiada»

Por outro lado, há uma tensão entre o porto e a cidade. Mas esta é uma não questão porque, na verdade, as zonas portuárias têm sido ao longo dos anos áreas urbanas centrais da cidade com reordenamento constante. Lisboa nasce, historicamente, com o seu porto. Não faz sentido perpetuar este conflito. A relação porto-cidade deve ser apoiada, pois só assim se fomenta o desenvolvimento daquela região e do país.

É por isso que as projeções para os próximos 10 anos perspetivam uma retoma do crescimento da movimentação de mercadorias, com destaque para a evolução da carga contentorizada e dos granéis sólidos, sendo fundamental o investimento de 122 milhões de euros na melhoria da eficiência do Terminal Contentores de Alcântara e que se traduzirá numa eficiência brutal no porto de Lisboa.

Em Setúbal, o porto local tem enfrentado contestação face às dragagens que permitirão navios de maiores dimensões e maior segurança na navegação. Podemos dizer que o equilíbrio entre a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento económico é o grande desafio neste caso e extensível às grandes obras que tutela?

Vivemos um tempo em que todos os investimentos em infraestruturas são vistos como um problema, o que não deixa de ser extraordinário, porque servem para resolver. Mas a verdade é que estes investimentos permitem que o país e as regiões se desenvolvam, e ter um porto é um grande privilégio, como não me canso de repetir. Veja-se o caso exemplar de Roterdão, em que esse equilíbrio existe e o porto serve a cidade e a sua população.

«Vivemos um tempo em que todos os investimentos em infraestruturas são vistos como um problema», lamenta o Ministro.

Não há, naturalmente, grandes obras que tenham impacto zero; mas o que deve ser assegurado – Agência Portuguesa do Ambiente faz bem o seu trabalho de escrutínio – é um equilíbrio entre todas as componentes da obra e, havendo impactos, assegurar que estes sejam convenientemente mitigados.

Assumiu a pasta da ferrovia numa fase em que o Ferrovia 2020 parecia não arrancar. Já podemos dizer que o Ferrovia 2020 está finalmente em velocidade de cruzeiro?

O Ferrovia 2020 já tinha arrancado, mas uma coisa é arrancar a fase de projeto, outra é a fase de obra. Se neste momento temos obras no terreno em todos os principias corredores da rede e começamos a ter algumas conclusões de obras, se hoje estamos em “velocidade de cruzeiro” – é porque foi feito antes de eu ter assumido a pasta um trabalho preparatório essencial. Agora, as dificuldades que tivemos no arranque das obras deste programa são bem conhecidas e eu já tive oportunidade de as reconhecer e discutir por diversas vezes. O que estas dificuldade nos mostram é o quão importante é manter um ritmo de investimento permanente e sem interrupções. Quando se interrompe o investimento, as empresas e as pessoas que trabalham neste setor têm de se virar para outro lado, para outro tipo de obras ou para outros países. A única forma de nós recuperarmos a capacidade de fazer projeto, de fazer obra ferroviária que já tivemos e deixámos de ter é dar certezas às pessoas e às empresas, manter esta “velocidade de cruzeiro” para que o investimento não termine com o final do Ferrovia2020.

Pedro Nuno Santos não quer que investimento na ferrovia «termine com o final do Ferrovia2020»

O transporte ferroviário pareceu descurado durante muitos anos. Porém, o Ministro já admitiu que é uma das suas prioridades. Quais as grandes vantagens que identifica na aposta do transporte de mercadorias e na transferência modal (nomeadamente da rodovia para a ferrovia)?

As vantagens do transporte ferroviário são bem conhecidas, tanto no caso das mercadorias, como nos passageiros. Quando queremos falar de transportes para o interior dos países, dos continentes, não há nenhum tipo de transporte que seja capaz de igualar a combinação de eficiência energética e ambiental com a capacidade de movimentar pessoas e bens que tem o transporte ferroviário. Além disso, não há nenhum transporte que consiga bater o comboio no custo, sobretudo para distâncias de várias centenas de quilómetros, e o negócio das mercadorias é muito sensível a esse ponto.

«Não há nenhum transporte que consiga bater o comboio no custo»

Se nós queremos que o país se desenvolva, que as exportações cresçam, é fundamental ser capaz de oferecer uma rede de transportes que tenha capacidade para isso e que seja fiável e eficiente. A ferrovia é a espinha dorsal dessa rede.

Quais as grandes prioridades e metas definidas para o transporte ferroviário de mercadorias nacional?

A prioridade é manter e aumentar o nível de investimento. O país passou demasiado tempo a investir muito na rodovia e a deixar o caminho-de-ferro definhar. Esse ciclo terminou! Agora temos de correr para recuperar o tempo perdido. Precisamos de continuar a investir para lá do Ferrovia 2020. Por isso, temos um PNI2030, que está a ser avaliado pelos técnicos do Conselho Superior de Obras Públicas, e vamos ter um Plano Ferroviário Nacional. Estes dois instrumentos são os que nos vão permitir delinear as prioridades de investimento no médio e no longo prazo e, sobretudo, dizer o que é o país espera da sua ferrovia.

«O país passou demasiado tempo a investir muito na rodovia e a deixar o caminho-de-ferro definhar», admitiu o governante à Revista CARGO

Eu sei que isto é uma revista dedicada ao transporte de mercadorias, mas é importante referir que o investimento na ferrovia para os passageiros não entra em competição com o investimento para as mercadorias. Pelo contrário, muitos dos investimentos que teremos de fazer servem em simultâneo para aumentar a velocidade e capacidade do transporte de passageiros, e a capacidade e fiabilidade do transporte de mercadorias. O crescimento da ferrovia e a transferência modal da rodovia anda a par nos passageiros e nas mercadorias.

O ano de 2019 foi de turbulência no sector do transporte rodoviário de mercadorias, com a greve dos motoristas de matérias perigosas. Acredita que o problema foi resolvido de vez? Considera este acordo a sua principal vitória desde que assumiu a pasta das Infraestruturas?

paulo duarte camião cisterna reta

A paz social e a consciência por parte dos trabalhadores que eles são respeitados são condições muito importantes para que o setor do transporte rodoviário de mercadorias possa desenvolver as suas atividades com ganhos para todos, empresas e trabalhadores, e com ganhos também para a economia nacional. A vitória foi sobretudo das empresas e dos trabalhadores, que conseguiram um acordo muito importante.

Por falar em desafios, não poderíamos deixar de falar do novo aeroporto no Montijo. Pergunto-lhe de que forma este novo aeroporto poderá também ajudar ao aumento da movimentação de carga aérea em Portugal?

O transporte de carga é um complemento bastante importante para as companhias aéreas que transportam passageiros. No entanto, o novo aeroporto no Montijo está a ser pensado principalmente para a atividade de passageiros, mantendo-se a atividade de carga no Aeroporto Humberto Delgado. Recordo que as companhias que vão utilizar o Montijo serão essencialmente de baixo custo, que não dependem do transporte de carga para o seu modelo de negócio.
Aeroporto do MontijoMas sobre o aeroporto do Montijo quero reafirmar aqui que tenho vindo a dizer: para um país periférico como Portugal, um novo aeroporto na região de Lisboa é crítico. Estamos a perder centenas de milhões de euros todos os dias porque o aeroporto em Lisboa não pode receber a quantidade de voos que procuram o nosso país. Isso traduz-se em menos rendimento, menos receitas e quem perde é o povo português. Andamos há cinco décadas e estudar localizações, em avanços e recuos sucessivos, a adiar decisões. E não temos o direito de continuar a adiar o desenvolvimento do país.

 

 

Fonte: Revista Cargo

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